terça-feira, 20 de novembro de 2012

O BURRO DE CARGA

                                                    



No tempo em que não havia automóveis, na cocheira de famoso palácio real, um burro de carga curtia imensa amargura, em vista das pilhérias (piada, graças) e remoques (insinuação indireta e maliciosa) dos companheiros de apartamento (aposento separado; quarto; cerca). Reparando-lhe o pelo maltratado, as fundas cicatrizes no lombo e a cabeça tristonha e humilde, aproximou-se formoso (de forma bonita; belo) cavalo árabe, que se fizera detentor de muitos prêmios. Junto com o cavalo árabe, veio um potro de fina origem inglesa e falou ao burro de carga:



- Triste sina (sorte, destino) a que você recebeu! Não inveja minha posição nas corridas? Sou acariciado por mãos de princesas e elogiado pela palavra dos reis! - Pudera! Como conseguirá um burro entender o brilho das apostas e o gosto da caça? O infortunado animal recebia os sarcasmos resignadamente. Outro soberbo (orgulhoso ao extremo; altivo, arrogante) cavalo, de procedência húngara, entrou também a comentar: - Esse burro é um covarde! Sofreu nas mãos do bruto amansador, sem dar ao menos um coice. É vergonhoso suporta lhe a companhia.


Um jumento espanhol acercou-se e acentuou, sem piedade: Lastimo reconhecer neste burro um parente próximo. É um desonrado, um fraco, um inútil... Desconhece o amor-próprio! Eu só aceito deveres dentro de um limite. Se abusarem, pinoteio e sou capaz de matar.

                                           

As observações insultuosas (injúria, ofensa) não haviam terminado, quando o rei penetrou o recinto, em companhia do chefe das cavalariças (ou, cocheira).


Disse então o rei: - Preciso de um animal para serviço de grande responsabilidade – informou o monarca –, animal dócil e educado, que mereça absoluta confiança. O empregado perguntou: - Não prefere o árabe, Majestade?


- Não, não! É muito altivo (arrogante, presunçoso) e só serve para corridas em festejos sem maior importância. - Não quer o potro (cavalo novo) inglês?


- De modo algum. É irrequieto (que não fica quieto, não para nunca) e não vai além das extravagâncias da caça. - E o húngaro? Não deseja o húngaro?


- Não, não. É bravio (bruto, selvagem, bravo) e sem educação. É apenas pastor de rebanhos.


- O jumento serviria? - De maneira alguma. É manhoso e não merece confiança. Decorridos alguns instantes de silêncio, o soberano indagou:

                                          


- Onde está o meu burro de carga? Indicou o empregado ao rei: - Lá majestade?


O próprio rei puxou-o carinhosamente para fora, mandou ajaezá-lo (enfeitá-lo) com as armas resplandecentes de sua Casa e confiou-lhe o filho, ainda criança, para longa viagem.


Assim também acontece na vida. Em todas as ocasiões, temos sempre grande número de amigos, de conhecidos e companheiros, mas somente nos prestam serviços de utilidade real aqueles que já aprenderam a suportar servir e sofrer, sem cogitar de si mesmos.

                                         


Fonte: A Vida Fala II - "O burro de carga” de Francisco C. Xavier, pelo Espírito Neio Lúcio.

Um comentário:

  1. Ia comprar tarde a história e não tinha as imagens. Que bom que postou. Obrigado.

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